23.4.08

"Elogio do Amor"

Posso citar Godard?

Duas frases que me impressionaram e cujo verbo, impressionar, possa expressar todas as respostas que poderia ter te dado e não dei....

C'est lorsque les choses finissent qu'elles prennent un sens.

Pour penser à quelque chose, il faut obligatoirement penser à autre chose.

...



... Provavelmente, são as recordações enterradas que conferem esse singular hiperrealismo ao que vemos em sonhos. Mas talvez seja outra coisa, algo de nebuloso, de velado que faz com que, paradoxalmente, tudo nos apareça mais nítido em sonhos. Um pequeno charco de água torna-se um lago, uma brisa, uma ventania, uma mão cheia de pó num deserto, um grão de enxofre no sangue num fogo vulcânico. Que teatro é esse em que somos ao mesmo tempo dramaturgo, ator, maquinista, cenógrafo e público? Será preciso, para atravessar o espaço do sono, mais ou menos entendimento do que o que levamos para a cama?

W.G. Sebald, "Os Anéis de Saturno", página 81 fotografia de Gregory Crewdson

Ternura



Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.


Rio de Janeiro, 1938

in Novos Poemas
in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "A saudade do cotidiano"

Cores


Hoje o dia amanheceu cinza.
Onde estão as cores do meu dia?

Vejo o azul, cinza
O amarelo, cinza
O verde,cinza
O vermelho não tem calor
Tudo cinza

Cinza fruto da entrega
De um pálido branco
A uma dama negra
Assim como o dia
Que se rende à noite...

Ouvindo:Anema e Core - c/Chico Buarque

21.4.08

Conversa à Toa


Falou-se de beijo na boca
Roupa no varal
Horas
Dona de casa
Perfeição
Aparências visíveis
Coragem
Suicídio
Dores invisíveis
Esquizofrenia
Chá com bolachas
Depressão
Bolo de chocolate
Loucura
Dramas
Coisas gostosas
Notícias
Menina da Lua
Detalhes
Não me preocupei com as formas
Nem com a rima
Não sei porque
Escrevo o que me deu vontade
E de tudo que foi escrito
Fica uma musica...

Imagem: Web
Ouvindo: Mais Um Na Multidão

A Águia


Meu amor eu sou
a certeza que trazes
perdida em ti
Não são as dúvidas
que me atormentam
É antes o teu teimar
que consegue ser maior
E a minha vontade,
ainda que férrea,
Está tão cheia de cansaços...
Tão contraditório
quanto verdadeiro
Tenta entender meus sinais
antes que eu me detenha nos caminhos
e volte ao porto de poucas bandeiras,
E me torne novamente porto solidão
A águia voa alto e sozinha....

10.4.08

Vaga, (em)Vão o Vaga-Lume


Pensou em escrever.
Escrever
com paixão
Em busca do texto perfeito.

Vírgulas, reticências, exclamações,
Tudo perfeito.
Nada poderia sair errado,
Não desta vez...

Cobriu o chão de papel amassado,
Com as tentativas frustradas
De imprimir a alma numa folha de papel.
Papel em branco.

Necessidade vital de exprimir,
Em símbolos,
Tudo o que carregava dentro de si...
Horas se passaram,
faltavam as palavras
Onde abundava o sentir
E nunca se permitia pintar
O ponto final do texto,
Aquele que por si só
Diria tudo que se desejava dizer,
O que daria forma ao querer
E perpetuaria o sentimento represado.

Tudo em vão,
Somos todos manchas,
Vazios,
Quereres que ficam para depois
Pirilampos enciumados das estrelas...

Imagem: Web
Ouvindo: Sabiás, Bem-te-Vi, Maritacas e outros sons da tarde

8.4.08

Você Deixou o Meu Coração Pendurado na Esquina da 5ª Avenida...





Se tu tivesses um coração com certeza ele pulsaria por mim
E tu dirias então:
- “Como sabe que muitas vezes duvido que tenha coração?”.

E eu responderia sem hesitar

- Porque eu te conheço,
Conheço teu respirar,
A maquiagem que usas
Quando te escondes

Eu te sei
Quando disfarças,
Quando mentes,
Quando foges das verdades...

Porque eu te conheço
No calado e escondido.


Eu te sei
Até quando tuas vírgulas se omitem...

Que importa quem sejas hoje,
amanhã
Ou
Ontem?

Eu te sei, sempre...

E ao que retrucas:

“- E agora sou eu o mentiroso...o culpado...o desventurado da sua sorte?”

Pauso, penso e só posso responder:
Que o amor não é jogo de azar ,
Tão pouco é verbo de posse
Porque quando verbo se conjuga a dois.

Você e eu
Passamos a terceira do plural
Para sermos NÓS
Conjugados num só verbo.

E o amor?
Ah! Deixa-me dizer
Que quando substantivo,
Transcende à distância
Que deixa de existir,
O tempo torna-se atemporal
Não existem respostas
Para perguntas desnecessárias


E se de repente suspiras:
“- amou-me...e eu nem vi!”

Eu não precisaria te ver,
Pois já enxergo o que escondes de ti
E de mim só sei quando estou contigo.

Eu sei...

Tela: Dora Maar com o gato, por Pablo Picasso

4.4.08

Sempre o Mesmo Medo




Medo,
tenho medo do meu Eu.

Medo,
tenho medo do que sinto,
do que me vai na alma.
Medo,
tenho medo que sintam pena de mim
quando eu não puder mais ser reação.

Medo,
Tenho medo que a solidão,
(que eu tanto acaricio)
Agarre-me de vez,
E meu EU jamais seja livre.

Medo,
Tenho medo de que já não existam mãos
que se estendam para tocarem as minhas
num aperto ou num afago.

Medo,
Tenho medo do que calo,
E também do que falo a mais.


Medo,
Tenho medo de que essa fome
De tudo e de nada,
De dividir,
De guardar só para o meu EU,
Jamais seja saciada.


Quero não ter medo,
Mas tenho medo
De não ter desculpas para ter medo.

Preciso abrir a porta,
Mas não,
Não consigo.
Quero, mas não consigo.

Tenho medo...

Imagem: Web

Medo (substantivo masculino)

Ato ou efeito de sentir;
Sensação;
Aptidão para sentir;
Sensibilidade...

Pode ser:
mágoa,
percepção,
intuição,
pressentimento...


Enquanto verbo
Do Latim sentire
É transitivo
E pode ser percebido
por meio de quaquer dos sentidos...

Mas o
medo,
Ah, o Medo...

Esse é o substântivo
que me causa terror,
receio,
pavor,
total abandono
sem que tuas mãos
tomassem as minhas
me fazendo esquecer
a dor,
aquele me espreita:
o medo...

E havia a tua Dor,
o silêncio
e mais nada...

12 anos atrás..)

Escrevi esse texto há anos atrás, ia para o lixo não fosse a leitura mais atenta. O que mudou de lá para cá? A resposta fica para o final....