29.11.09

Veneno



Sempre fica mais fácil
Viver a vida multifacetada,
Abrigando em cada alma que crio
As dores ou sonhos...

Divido o peso, deixo leve,
Mas ando cansada de ser ilusória,
Queria ter os dois pés na frente para variar
Queria a sustentável leveza do ser
Invés da insustentável leveza do não ser.

Não há porta de saída,
Meus silêncios se afastaram de mim,
Meus vazios não me reconhecem.
O mergulho é de cabeça.
Não há volta
Porque não existe socorro possível.
Não tenho medo,
Porque trago comigo
A calma dos covardes
Porque para abraçá-la é preciso coragem.

A medida certa da dor é funda,
A medida certa do sonho é rasa
A medida certa da felicidade é tênue,
A medida certa do adeus é eterna,

Todo resto é vão

25.11.09

15.11.09

Paixão


Conforto incessante
E consumado
Que se torna lascivo.

Paixão secreta,
Bem escondida
E discernida por poucos.

- Quem não tem uma?

A paixão é um infortúnio
Que cega.

Acho que me apaixonei,
Ando cega.

Acho que me apaixonei
Por mim mesma.

...

Sente que fora abandonada por todos, e coisa alguma se harmonizava com o que entendia ser a sua alma. Permanecia assim: dias esquecidos e indiferentes, cavando fundo, as sombras mais frias; tombavam as primeiras folhas amareladas, nasciam as primeiras folhas verdes. Morte e recomeço. Nenhum laço a prendia a ternas lembranças, porque as não tinha, a não ser a emoção que tomava conta dela quando recordava os rapazes e as raparigas. Abandonada por todos, unida ao seu pessoal silêncio, era tocada por um sentimento de piedade, muito próximo do religioso. Parecia-lhe uma maldição tudo por que vivera, e certas zonas calcinadas do seu passado emergiam, agora, nítidas e dolorosas. Não quero acabar assim: encurralada e assustada. A casa vazia ressumava persistente odor a velhice. A velhice tem um odor húmido que se cola às coisas e, viscoso, parece escorrer pela pele. Tapadas, uma a uma, as janelas abertas pelos sonhos, pelas paixões, pelos desejos, pelas fraquezas e pelas intuições. A subida do desespero extremo, instantes sem conteúdo e, simultaneamente, portadores de secretas significações: o torpor de uma tarde suspensa e a invasão da alma pela morte. Varavam os dias, entretecidos uns nos outros. Sabe-se: gostamos das estações do ano consoante as estações da nossa vida. Apreciamos o Outono quando começamos a ficar velhos. A Primavera dói-nos porque nos dói os ossos, as carnes do peito e das pernas. Onde menos se supõe, lá está a dor. A felicidade não existe; há, apenas, instantes felizes. Também se diz que não se pode ter tudo. Mas porque razão não se pode ter tudo? Que nos impede de ter tudo? Quando fiquei só desorientei-me um pouco. Por vezes, era assaltada pelo receio de gritar no meio da noite. Pela primeira vez pressenti-me incapaz de dominar os meus medos e de remediar os meus impulsos. Vagueava pela casa, permanecia horas a reler jornais antigos, o silêncio era denso, o cheiro da solidão horroroso, os pensamentos afluíam e corriam à desfilada num tropel doentio. Assustava-me. Pensava na absoluta necessidade de coisas sem importância, mas tudo me conduzia às perplexidades do desalento. O poder das emoções começava a esclarecer as causas pelas quais eu fugira de tudo e ali me instalara. Todas as cidades, afinal, dispõem de um sítio onde as pessoas podem recolher-se, e onde o tempo pára quando rimos. Nunca quis muitas coisas. O que forma a minha e a tua vida foi a atracção mútua, embora nada nos aproximasse. Nem em dúvidas nem em certezas éramos semelhantes. Acreditavas em Deus; eu não só ignorava a Sua existência: desprezava-a. Hoje, admito que esse desprezo talvez contivesse algo de receio e de atracção. Como a morte: atrai-nos enquanto a repelimos. Detestavas os meus pequenos prazeres, fizeste-me amargar muitos deles com implacável zombaria: livros, músicas, filmes. Não merece a pena nomear as nossas divergências. Provínhamos do mesmo sítio, mas não pertencíamos aos mesmos sonhos.

Baptista-Bastos

8.11.09

Navegar

É hora de me reconstruir,
Reconstituir,
Juntar os pedaços,
Ver o horizonte distante.

Quem sabe a maré não vire?
Pode ser que um dia
Eu já não sinta os teus sinais,
E de fato, não os sentir.

Não se preocupe
Soobre onde vou estar,
Posso estar em mim mesma,
Ou à deriva desse estar,
Não se preocupe.

Eu sei em que mares naveguei...

3.11.09

Não importa


Não me importo
Se acordo ou durmo,
Se me alimento ou passo fome,
Se é dia ou noite,
Se é preciso reagir ou ceder,
Se é caminho ou atalho,
Se é certo ou errado...

Não me importo
Com a dor,
Com o vazio,
Com o que escrevo,
Com o que falo,
Com o que escuto,
Com o que calo,
Com o tudo ou com o nada...

Meu coração que bate em desassossego
Não se importa com mais nada,
Bate em compasso de encontrar
Alguma paz em não se importar...

Sem você o EU não faz sentido,
O tempo que tenho
Não é meu e não importa mais...

Não importa quem ganhou ou perdeu,
Como vão contar a minha história,
Como tudo terminou,
Para onde vou,
Se estou em paz,
Se estou em mim,
Se o fim é uma palavra
No canto inferior
Ao lado oposto
Do coração...



Foto: Jeff Grant

12 anos atrás..)

Escrevi esse texto há anos atrás, ia para o lixo não fosse a leitura mais atenta. O que mudou de lá para cá? A resposta fica para o final....