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    A noite chega,
vejo as estrelas, e me pergunto:


- O que farei quando a luz se for?

As portas que você abriu
eu não conseguirei fechar...

Está escuro,
não posso ver e nem ser vista
apenas silêncios sem remédios.



Se um dia, em paz consigo mesmo
olhares o céu à noite
procure uma estrela 
e faça um pedido por mim,
pois daqui, o mais fácil, é sempre adivinhá-las...

Seja criança nesse momento,
deixa o homem descansar 
e lembre-se de mim...

Peça que meus olhos não se fechem
antes de repousarem 
ao menos mais uma vez nos teus.

Lembre-se de mim, 
pois em algum lugar,
estarei sempre pensando em ti.

Meus olhos se fecharão à idéia dos teus,
e a tua ausência será minha dor serenizada...

Não esqueça de guardar um pensamento para mim
pois eu nunca vou te esquecer.


Obs: Diário de um verão em 1980: poesias sem título escritas há quase meio século,vaticinadas em conselhos intimos e ocultos.

Pressentimentos  ou intuição?

Continuam sem explicação, o que existia era a necessidade de alcançar as palavras sentidas e represadas.

Canção de Morfeu


Há uma brisa que me roça o pescoço 
nesta noite cheia de cansaços,
num aflorar doce e perfumado 
solto pelas palavras que os olhos não viram 
nem os ouvidos ouviram. 
 
Quando sentada diante desta página fria 
transporto-me até onde te escondes
o beijo que te mando não cabe aqui, 
vai com o vento! 
 
Desejo-te, 
agarra-me, 
danem-se as consequências 
que as culpas dos desatinos sejam minhas. 
 


Estou aquém e além, 
quero tudo como queres, 
a culpa é minha se as almas não se tocam 
mas fundem-se, 
explodem e enchem as trevas de luz. 
 
É disso que sou culpada? 
 
Os relâmpagos rasgam os céus,
onde as estrelas andam ciumentas da tua voz,
não semeie dúvidas, 
ajude-me a encontrar a certeza
que está perdida em mim. 
que existe num poema a dois...
 

Caminhos

 
Quando eu morrer
não quero ritos fúnebres,
velório de corpo exposto,
descer a terra para “repousar”
num buraco escuro
onde os vermes aguardam o banquete.
 
Não quero flores, coroas
e frases feitas em dizeres
que não me dizem nada.
 
Nada de orações, cânticos
e leitura de textos sagrados,
leiam uma poesia:
A Palavra de Drummond de Andrade
ou
Poeminha do Contra de Mário Quintana;
 
Clarice seria muito existencial para a ocasião
E Hilst muito provocativa.
 
Se houver música de fundo,
que seja Anunciação de Alceu Valença.
 
Tornem meu corpo cinzas
espalhando-as na curva de um rio,
para que o canto dos pássaros
possa me acompanhar
entre vales e montanhas
por onde quero seguir para abraçar o mar.
 
Se tudo isso for muito complicado
levem-me direto ao mar,
todos sabem qual litoral
quero alcançar
e, quem sabe descansar...
 
Tenho apenas dois pedidos:
Juntem às minhas cinzas
as das pequenas que partirem antes de mim,
o outro é segredo...

Calar

 

Não quero descer
da solidão em que me encontro,
ela não me causa espanto.

Não tento entender por que compreendo,
não preciso chegar perto
pois já me encontro ao lado,
apenas não quero...

Mais fácil confessar e revelar
do que descobrir,
falo sempre menos do que sei,
e já sei muito,
prefiro calar o que me é tão claro...

Eu sou a que espreita,
a que não pode amar sem mãos de posse,
e mesmo aquilo que é calmo e doce em mim,
é breve prelúdio de uma tempestade anunciada.


Nem para tudo existem razões
que possam ser explicadas,
como podes ser caminho
se não compreendes os cansaços,
como podes ser braços que consolam
se te queres mãos que estrangulam...


Ninguém pode estar comigo,
quero apenas existir...

Bilhetinho

 

Ando em fases
de deixar o vento
embaraçar os meus cabelos,
embaralhar meus pensamentos...

Ando em fases
de ser uma biografia esparsa,
entregue aos cuidados
desse mesmo vento que
ora me lambe com as saudades
de momentos sentidos à flor da pele,
ora me chicoteia com os arrependimentos
do que ficou pela superfície
e nunca foi aprofundado.

Ando em fases
de consentimento,
de entrega total,
de sorrir à toa,
de sonhar acordada,
de seguir sem pensar,
de amar apaixonadamente.

Ando mais dobrada
que bilhetinho de amor...

 

Bordando Versos


Vou tecendo as impossibilidades 
de compreensão de tudo que me habita, 
pelo avesso do tecido. 

Alinhavo algumas lembranças 
às histórias que vou bordando 
no decorrer da minha vida.
 
Em pontos assimétricos, 
arremato algumas saudades do passado 
às saudades que o futuro me reserva. 

Vou caseando saídas 
para as dores de amor que hão de vir...

- Não, nunca mais! 

Frase de pouca dura,
apenas me engano
voluntariamente e,
acima de tudo,
propositalmente.

O que seriam dos poemas 
não fossem as dores de amor?


Meus vãos desbotados

Anotações rasgadas,
fragmentos perdidos
guardadono lugar esquecido.

Sigo bem devagar,
remendando vazios 
que não se esgotam,
ruminando sentimentos 
não compartilhados,
espantos que me assombram,
silêncios estigmatizados,
muitas cismas de tudo
e de nada,
sempre de mais e nunca de menos.




Ando em meandros
esquecida de mim,
adejada de esperanças vãs, 
que guardo nas dobras 
dos meus vãos desbotados.

Belvedere



Em ausências perfumadas 
estou absoluta e inteira, 
sou o grito em voz baixa, 
sussurrada e entrecortada. 

Edifiquei sentinelas de ironia, 
muralharas de sarcasmo, 
cerquei a ternura com sempre-vivas 
de lembranças e melancolias 
regadas de bem-me-quer 
para guardar bobagens românticas
num belvedere de frente para o mar.

Não te quero poema

 A consciência de uma verdade fugidia 
que se esconde num poema,
não me pertence, 
e no entanto, em mim deixa suas marcas. 

Procurando nela, 
o que me habita,
tentando decifrar 
sentimentos encobertos 
pela beleza de uma mentira. 

O traço incerto desses versos 
não flui como o rio, 
em seu percurso sem paradas 
para escutar os silêncios 
e acolher os desvarios da alma. 

Então porque me afliges 
se te quero sem sentido? 

Porque me torturas se não te quero poema?


28

Agora preciso ir
tirar você do meu coração
e o teu cheiro do meu corpo.

Preciso ter uma vida
que queira ser vivida,
e aquela mágoa sem remédio
tem que ser esquecida.

Silêncio absoluto sobre ela!

Não olhar para trás,
pois lá não há mais nada.

Sem raivas ou rancores mal curados,
sem remorsos mal resolvidos,
sem nada...

Poesias diário Verão 1980

29

Por tudo que reside em mim,
pela hora errada,
pela situação fora de contexto,
na vontade suprimida em cada um.

O bem querer de ter a vida
e,na vida,
a felicidade..

Desculpe se não me demoro
em despedidas.

É que a vida me acena,
o tempo urge,
é mister viver intensamente.

Não tenho tempo,
preciso ser feliz.

Eu vou indo,
boa sorte!
Adeus...

Poesias diário Verão 1980

Beijos em uma valsa louca

Segurança somática 
de uma língua imprudente 
que não considera o que diz 
ou deixa de dizer. 

 - Não faça ouvidos moucos! 

Tímida ou imprudente, 
ora corre a ponta pelos lábios, 
ora súbita proposta 
de entrar e explorar 
a boca de alguém 

- Que seja a tua se assim quiseres! 

Semear estrelas 
no céu da boca, 
despertar um desejo 
nesse desvario de uma valsa louca 

- Que seja colada no teu abraço! 

Que venha esse beijo, 
sem freios e pudores 
de folhetim barato

- Que assim seja, Amém!

Troco beijos por segredos

Silêncios pedem palavras, 
vazios se querem povoados, 
algumas mentiras necessárias, 
omissões demais. 

Hoje te afastarias 
e levarias contigo as certezas 
que possuías antes
de nos desnudarmos? 

Trazes: 
palavras por dizer, 
sorrisos fartos, 
coração inquieto, 
uma surpresa, 
um segredo? 

Eu quero preencher tuas lacunas
e colher teus risos
pois trago comigo 
a convicção de não ter certezas, 
um coração apaziguado, 
as palavras fartas 
e troco beijos por segredos...

Dores de amor e um coração partido

Ouvi dizer que 
as dores de amor 
são coisas inventadas 

por poetas para rimar amor com dor.

Que coisa!
Por que não usar ardor; 
calor; 
fervor?

Qualquer coisa por favor!

Pior é um coração partido 
para o qual não tem rima que cure, 
cola que grude... 


Então vou juntar os cacos 
e fazer um mosaico,
os vocábulos que se entendam,
porque sigo com dores de amor 
e um coração partido.

Diz-me

- Como está o céu lá fora? 
 - Como estás? 
 - Ainda te lembras?
 - Adivinhas-me?
 - Ainda sabes como me abraçar? 

O tempo vai passar, 
e passou as dores à limpo,
silenciadas pelos relógios 
que anunciavam distâncias, 
as memórias que desbotaram 
no tempo ausente, 
na saudade intermitente,
cessando e recomeçando por intervalos 
tão imprevisíveis e descontínuos,
e assim foi, é e para sempre será.

Um ciclo se encerra,
outro se reinicia,
o coração tenta seguir
cumprir sua parte,
mesmo que cansado 
e tão doente.

- Como está o mar que te espreita? 
 - Como estás? 
 - Já me esqueceste?
 - Me desprezas?
 
Diz-me:
- Vai-te embora!
Ou fica…



Corações inteiros

Não quero amor 
de palavras ensaiadas,
antes, gestos serenos e consistentes. 

Não quero ser refém 
de dúvidas e promessas de céu 
que depois vão me atirar ao chão. 

Não quero impressionar a todo custo 
porque sou o olhar que escuta. 

Apenas quero que respeitem 
meu espaço, 
silêncios
e ciclos. 

Se quiser caminhar comigo,
não me arraste com entusiasmo 
passageiro para depois me abandonar. 

Quero paz e não o caos 
de amores barulhentos, 
porque aprendi a amar em silêncio 
e só reconheço corações inteiros

Dentro de mim mora um monstro


Dentro de mim mora um monstro,

mora um monstro dentro de mim,

em Silêncio, 

sai como entra.


Não odeia, mas se cura,

guarda  cada palavra dita, 

cada ausência sentida, 

cada gesto omisso.


O monstro que me habita

ama o amor

com paixão e dedicação.


Hoje é tudo, 

amanhã nem  lembrança.


Apaga,  

sai de cena,

desliga o coração

como quem gira uma chave.


O silêncio não é vazio,

não se fez de repente,

foi edificado aos poucos 

por distrações demais

e cuidados de menos. 


E a dor acumulada

não é sofrimento,

é despedida 

que não se detém

onde  se sente sobrar.

Eu te amei, girassol, e agora?


Olhos vazios que carregam 
 o peso de histórias perdidas, 
apartados de si mesmos, 
 apontados para o que 
 não pode ser absorvido. 

 Dedos rígidos que tentam 
 agarrar o tempo 
 num lembrete silencioso 
entre a delicadeza da existência 
 e a certeza inquietante 
 de que ficou algo por dizer. 

A sensação perene da falta 
que não se pode nominar, 
imperfeita e incompleta.

Nenhuma vírgula antecedeu
as pausas subjuntivas
das impossibilidades cortantes.

Uma metade partida no meio 
de uma página esquecida.

-Eu te amei, girassol! E agora?

O que quero

Quero:


Que em todos os dias

pelo resto de nossas vidas

não nos faltem abraços.


Que nossos olhares,

ao se encontrarem

sejam plenos de ternura.


Que nossos beijos não precisem

de motivos para acontecer,

que sejam muitos e o tempo todo.


Que nunca nos falte o sorriso,

nossas mãos estejam sempre dadas

e seguras uma na outra.


Que as palavras de amor

sejam constantes em nossas vidas

e a felicidade tome o lugar

dessa saudade

que hoje nos habita.


Que sejamos um ao lado do outro

caminhando juntos

e que a metade de mim

volte a ser inteira na tua metade

que nos completa.


Amo você!

Antes do fim


Um abraço sem pressas, 

a luz dos teus olhos nos meus

e teu sorriso fácil despertando 

meu riso macambúzio.


Que seja antes do esquecimento,

que assombra e afoga

todas as lembranças. 


Domingo

Despediram-se num domingo, 
puros em inocência etérea,
juras de amor eterno 
e um até breve carregado de incertezas 
mas repleto de esperanças.  

A segunda despedida 
também foi num domingo que, 
diferente de antes, 
 trouxe mágoa e espanto. 

Ele foi surpreendido, 
não esperava. 
Ela sentiu-se sobrar, 
jurou que não voltava 

A luz dos olhos dela 
e a luz dos olhos dele 
nunca mais se encontraram. 

Os acasos da vida foram outros, 
cada um seguiu seu caminho.

O amor, 
primeiro amor, 
o maior amor; 
aquele amor que veio antes 
de todos os outros,  
seguiu  plural, só deles 
e  ninguém lhes tirou isso. 

Ela sempre voltou, 
juras quebradas,
sempre sorri ao vê-lo passar.
- Sim, ela sempre consegue encontrá-lo 

Ele, como sempre,
continuou distraido,
alheio a sua presença. 

PostIscriptum:
Comecei a rascunhar esse poema tomando um café na Pastelaria Arcádia, numa sexta feira chuvosa de abril ouvindo Um dia de domingo, dueto Gal Costa e Tim Maia.

O amor se faz

 


Me quebra e me refaz

Para voltar a quebrar 

Me assusta e me encanta

Para voltar a assustar 


É punhal rasgando a dor,

a linha que remenda 

o que a dor causou.


É medo

Prazer

É a coragem de deixar ir

O que não pode ficar 

É meu conforto nas horas mortas

a paz que sucede o desespero

que a saudade deixa no coração da gente 


Isso é amor

O amor é o que o amor faz

E desfaz quando se ausenta 


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    A  noite chega, vejo as estrelas, e me pergunto: - O que farei quando a luz se for? As portas que você abriu eu não consegu...