7.11.07
Anjo Torto
Fiquei tão gauche na vida que pela esquerda posição em que me encontro
não faço parte da esquerda, não me encontro no centro e tão pouco meus tentáculos pendem para a direita inóspita.
Estávamos ambos, mãos dadas, vendo o pôr-do-sol sentados sobre a plataforma de um piér. Não dizias nada e eu tão pouco emitia som algum que não fosse o do meu repirar.
Claro que a pulsação do coração não contava já que entre nossos silêncios mútuos e apaziguadores havia o incessante entremecer das águas contra os pilares do piér. Algumas gaivotas pescando e gritando, o vento suave mas suficientemente audível para passar despercebido, mesmo que nos tocasse tão levemente em suaves lambidas de brisa.
Tudo quieto pois não nos apercebiámos de qualquer ruído a não ser os que já descrevi, mas de repente algo além da paisagem rompeu sua quietude e um anjo torto voltou o rosto resplendente e disse apenas:
- “Assim não é possível.”
Desviou os olhos, retirou o amparo e nem conselhos deu. O anjo torto se foi traumatizado e depressa nos esqueceu.
Acredito que tudo isso seja porque os anjos voltaram à moda e agora vivem diante dos espelhos
descobrindo o prazer da própria imagem, insipientes, narcisistas e intolerantes para com mortais
que lhes parecem angélicos demais.
Que importa se ainda temos o mar, as gaivotas, o vento e nossos silêncios?
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